Suprema Corte dos Estados Unidos torna mais difícil processar criminalmente ex-presidentes

Suprema Corte deixou dúvida sobre processos contra Donald Trump

A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em Trump v. United States não esclareceu se um dos processos criminais movidos contra o ex-presidente Donald Trump pode prosseguir na Justiça Federal.

Em vez disso, a corte decidiu, por 6 votos a 3, reenviar o processo para a juíza de primeira instância, para ela decidir quais acusações contra Trump são válidas e quais devem ser descartadas — de acordo com o entendimento da corte sobre a imunidade de ex-presidentes.

O voto da maioria divide em três partes a resposta à questão apresentada pela defesa de Trump: se ex-presidentes têm imunidade absoluta contra todo e qualquer processo criminal. O entendimento da maioria foi o de que ex-presidentes:

1) Têm imunidade absoluta por seus atos no exercício de seus poderes constitucionais essenciais (ou no âmbito de sua autoridade constitucional conclusiva e preclusiva);

2) Têm pelo menos uma presunção de imunidade por (quaisquer outros) atos oficiais;

3) Não têm imunidade alguma por seus atos não oficiais.

Assim, a Suprema Corte atribuiu à juíza Tanya Chutkan, que preside o julgamento de Trump no caso das tentativas do ex-presidente de anular o resultado das eleições presidenciais de 2020, a missão de decidir quais, entre as acusações, referem-se a atos oficiais ou a atos não oficiais.

Acusações esvaziadas

A juíza deverá manter o processo, mas não sem antes dar uma esvaziada nas acusações — a começar pela acusação de “obstrução de procedimento oficial”, que a Suprema Corte decidiu eliminar das ações contra 350 dos 1.427 réus processados pela invasão do Congresso, em 6 de janeiro de 2021, uma acusação que também foi apresentada contra Trump.

“Presidentes não podem ser processados por atos a que são imunes. O juiz de primeira instância deve analisar as alegações restantes da denúncia para determinar se elas também envolvem condutas pelas quais um presidente deve ser imune a processo criminal. E as partes no julgamento devem se assegurar de que alegações suficientes suportam as acusações da denúncia, sem tais condutas”, escreveu o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, na sentença.

Ao explicar a necessidade de as cortes distinguirem os atos oficiais dos não oficiais, a decisão declara:

“Esta corte conclui que os princípios da separação de poderes, explicados em precedentes da corte, necessitam pelo menos uma presunção de imunidade contra processos criminais para os atos de um presidente dentro do perímetro exterior de sua responsabilidade oficial. Tal imunidade é necessária para salvaguardar a independência e o funcionamento eficaz do Poder Executivo e para habilitar o presidente a cumprir seus deveres constitucionais sem precauções indevidas.”

“No que se refere aos atos não oficiais do presidente, não há imunidade. Apesar de a imunidade presidencial ser requerida para as ações oficiais, a fim de assegurar que o processo de tomada de decisão do presidente não seja perturbado pela ameaça de um litígio futuro, resultante de suas ações, essa preocupação não justifica imunidade para uma conduta não oficial. A separação de poderes não impede uma denúncia baseada em atos não oficiais do presidente”, prosseguiu o ministro.

Voto dissidente

A ministra Sonia Sotomayor escreveu no voto dissidente, ao qual aderiram as duas outras ministras liberais, Elena Kagan e Ketanji Brown Jackson:

“A decisão da maioria que garante ao ex-presidente imunidade criminal reforma a instituição da Presidência. Ela zomba do princípio, fundamental para nossa Constituição e para o sistema de governo, de que nenhum homem está acima da lei”.

“Valendo-se um pouco mais do que em sua própria sabedoria equivocada sobre a necessidade de uma ‘ação ousada e sem hesitação’ por parte do presidente, a corte concede ao ex-presidente Trump toda a imunidade que ele pediu e muito mais. Como a nossa Constituição não protege um ex-presidente de responder por atos criminosos e de traição, eu discordo”, continuou ela.

A ministra ironizou o fato de a decisão da maioria ignorar um princípio inventado pelo ministro Samuel Alito na decisão que extinguiu o direito ao aborto em todo o país. Ela escreveu que a imunidade a atos oficiais “não tem base sólida no texto constitucional, nem na história ou precedente”.

Em seu voto dissidente separado, a ministra Ketanji Brown Jackson escreveu que a nação tradicionalmente se vale da lei para manter presidentes na linha. Mas, a partir de agora, os cidadãos devem se valer das cortes para determinar quando a legislação penal, aprovada por seus representantes para promover a segurança individual e coletiva, funcionará como obstáculo à ação ou reação presidencial.

“Até agora autorregulada, a Rule of Law (norma jurídica; mas aqui, literalmente, ‘regra da lei’) irá se tornar a ‘regra dos juízes’, com os tribunais decidindo quais crimes cometidos por um presidente devem ser ignorados e quais podem ser reparados por inadmissíveis.”

“A maioria dos meus colegas parece ter depositado sua confiança na capacidade de nosso tribunal de impedir que presidentes se tornem reis, através da aplicação caso a caso dos padrões indeterminados de seu novo paradigma de responsabilização presidencial”, escreveu a ministra.

Um detalhe que não passou despercebido, e que indica a irritação das ministras liberais: nenhuma das duas usou a tradicional palavra “respeitosamente” ao confirmar que discordavam do voto da maioria.

Trump comemorou a decisão da Suprema Corte, mesmo sabendo que ainda pode(ria) ser condenado por atos não oficiais. O início do julgamento, que estava marcado para 4 de março, fica adiado para uma data “incerta e não sabida” — e um veredicto para além disso. Depois caberão recursos. Enfim, Trump confia que vencerá as eleições deste ano e, assim que tomar posse, poderá fazer os processos contra ele na Justiça Federal desaparecerem.

Fonte: conjur.com.br/João Ozorio de Melo correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos

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